Dizem alguns filósofos e também os budistas: o apego é a causa de todas as nossas dores emocionais. Concordo, mas faço ressalvas. O apego também provoca inúmeras alegrias e satisfações. Não faz sentido evitar filhos, paixões e amizades a fim de se proteger de tristezas, preocupações e frustrações. Passar uma vida inteira desapegada das pessoas seria entregar-se ao vazio existencial – e nunca ouvi dizer que isso gerasse bem-estar. Desapegar-se em troca de paz é uma falácia, só demonstra covardia de viver.
Não haveria um caminho do meio?
Xeretando ainda mais os livros de filosofia, encontrei algo do romeno Cioran que me pareceu chegar bem perto de uma saída para o impasse. Diz ele que a única forma de viver sem drama é suportar os defeitos dos demais sem pretender que sejam corrigidos.
Eis aí uma fórmula bem razoável para não se estressar. Apegue-se, tudo bem, mas com 100% de tolerância. Em tese, é perfeito.
Em menos de poucos segundos, consigo listar tudo o que me incomoda nas pessoas que mais amo. Conseguiria listar também o que me faz amá-las, é claro, mas o ser humano veio com um chip do contra: os defeitos dos outros sempre parecem mais significativos do que suas qualidades. Depois de um longo tempo de convívio, aquilo que nos exaspera torna-se mais relevante do que aquilo que nos extasia.
Pois a recomendação é: exaspere-se, mas saiba que não vai adiantar. Nada do que você disser, nenhuma cobrança, nenhum discurso, nenhuma novena, nada fará com que os defeitos do seu pai, da sua mãe, do seu marido, da sua mulher ou dos seus filhos desapareçam num passe de mágica. Assim como os seus também jamais evaporarão, por mais que os outros rezem e supliquem pra você deixar de ser tão ........... (preencha os pontinhos).
Você é capaz de reconhecer seu defeito mais insuportável?
Só mesmo passando uma longa temporada num mosteiro do Tibete para desenvolver a capacidade de aceitar tudo o que nos tira do sério. Seu filho indiferente, seu marido pão-duro, sua mãe mal-humorada, sua amiga carente, seu chefe durão, seu zelador folgado, sua irmã fofoqueira, seu colega chatonildo – imagine que paraíso se pudéssemos relevar essas e tantas outras diferenças, comungando com os defeitos alheios sem nunca mais esperar que os outros mudem. Deixar de esperar é uma libertação.
Pois não espere mesmo, pois ninguém vai mudar nem um bocadinho. Nem você, nem aqueles que você tanto ama, por mais que você pense que é fácil alguém deixar de ser ranzinza, orgulhoso ou o que for. Aceite todos como são e, aleluia: drama, nunca mais. Se conseguir, tem um troféu esperando por você, além de prêmio em dinheiro e uma foto autografada do Buda.
Martha Medeiros
no Jornal ZH do dia 27/03/2013
Imagem: Mandy Lynne
Desapego, na minha humilde opinião...não tem nada a ver com "evitar viver" ou "covardia de viver" ou "ser indiferente" como disse a maravilhosa Martha Medeiros no início desse crônica. Sei que muitas pessoas pensam assim, e sei que o desapego não é nada fácil. Mas ao invés de ser um ato de covardia, acredito que o desapego exige muita...mas muita coragem.
Para ser uma pessoa desapegada...não é "evitar o amor" ...bem pelo contrário...é amar "sem condições"....amar incondicionalmente...é mergulhar no amor.
É amar alguém mesmo que essa pessoa não queira ficar com a gente.
É amar alguém mesmo que a vida tenha retirado essa pessoa da nossa convivência.
É amar depois da morte...e aceitar a morte.
É saber que as pessoas não nos pertencem e não estão neste mundo para satisfazer nossas expectativas.
Para mim o desapego é isso: "aceitação do que é"....e mesmo assim continuar amando.
Não digo que é fácil!!!
Mas quando compreendemos que "nada que possui vida nos pertence" é o começo do desapego.
Claro que vamos continuar sofrendo, chorando e nos descabelando com as perdas que surgirem pelo caminho...mas vamos nos recuperar do "tombo" bem mais rápido do que as pessoas que não tenham essa compreensão da vida.
Bom...pelo menos é nisso que acredito.
Não estou dizendo que estou certa e que sou dona da verdade e que sou a rainha dos desapegos...rsss :)
Mas é assim que eu encaro a vida e me recupero das suas inevitáveis rasteiras.
Beijos reflexivos...
Sheila Costa
do blog Passarinhos no Telhado